sábado, 10 de dezembro de 2011

Divórcio: Usucapião familiar, problema ou solução?

Texto de José Fernando Simão

Historicamente o Direito Civil sempre foi um dos ramos do direito que caminha a passos lentos em termos de mudanças legislativas. Enquanto o direito tributário muda diariamente por meio das mais diversas portarias, o direito penal muda em razão de um verdadeiro fetiche em tipificar condutas, o processo muda para atingir a utópica celeridade, a Constituição sofre emendas no mesmo ritmo que se remendam roupas velhas, o direito civil sempre mudou após longos períodos de reflexão e de experiência sedimentada.

Atualmente, a cada mês surge uma pequena ou grande mudança legislativa em termos de direito civil. É a Lei de Introdução ao Código Civil que muda de nome (sem mudar o conteúdo), a idade da pessoa que se casa pelo regime da separação obrigatória passa que para 70 anos e, agora, surge uma nova modalidade de usucapião: a usucapião familiar. São os tempos pós-modernos, em que a celeridade permeia as relações humanas e também a vontade do legislador em “aprimorar” o sistema.

Não foi sem grande surpresa que recebi por e-mail a novidade que ora comento: uma nova modalidade de usucapião que denominei usucapião familiar. A lei 12.424/11 alterou o Código Civil criando um dispositivo, o artigo 1240-A, com a seguinte redação:

“Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.”

Creio ser adequada a denominação usucapião familiar em razão de sua origem, qual seja, o imóvel pertence aos cônjuges ou companheiros, mas só é utilizado por um deles após o fim do casamento ou da união estável. Algumas reflexões se fazem necessárias.


I – As reflexões.

A primeira é que o instituto tem origem no direito à moradia consagrado no art. 6º da Constituição Federal. Trata-se de norma que protege pessoas, normalmente de baixa renda, que não têm imóvel próprio, seja urbano ou rural. A redação do dispositivo exige praticamente os mesmos requisitos previstos no art. 183 da Constituição para fins da chamada usucapião urbana ou pro moradia. É de se notar, contudo, que prazo é mais exíguo que aqueles de qualquer outra modalidade de usucapião: apenas 2 anos.

Também em razão do caráter constitucional do instituto, prevê o par. primeiro do art. 1240-A que este direito não será reconhecido ao mesmo possuidor, mais de uma vez. Imagino a seguinte situação concreta. Determinada mulher casada permanece no imóvel comum, residência da família, enquanto seu marido vai voluntariamente embora de casa e constitui nova família em cidade distante. Passados dois anos do abandono, a esposa reúne os requisitos para a usucapião familiar. Sendo proprietária do bem em razão de sentença que declara a usucapião, a esposa vende o bem. Iniciando agora uma união estável surge a mesma situação. O companheiro abandona o imóvel e a companheira dois anos depois promove a ação de usucapião. De acordo com o dispositivo, como esta mulher já usucapiu imóvel se utilizando da usucapião familiar, só poderá usucapir o bem por outra modalidade, seja ela prevista no Código Civil (usucapião extraordinária do art. 1.238) ou pela Constituição (art. 183).

A segunda reflexão diz respeito ao tipo de imóvel. Apenas o imóvel urbano pode ser objeto da usucapião familiar. É a moradia e não o trabalho que se privilegia. Por isto o artigo 1.240-A surge em sede de regulamentação do programa do Governo Federal “Minha casa, Minha vida”. Assim, não há regra análoga ao art. 191 da Constituição com relação à usucapião de imóvel rural, qual seja, a usucapião pro labore. Não se trata de dar terra a quem não tem.

Ainda, o imóvel deve ser de propriedade do casal que surge com o casamento ou com a união estável, seja ela hétero ou homossexual.

O imóvel pode pertencer ao casal em condomínio ou comunhão. Se o casal for casado pelo regime da separação total de bens e ambos adquiriram o bem, não há comunhão, mas sim condomínio e o bem poderá ser usucapido. Também, se o marido ou a mulher, companheiro ou companheira, cujo regime seja o da comunhão parcial de bens compra um imóvel após o casamento ou início da união, este bem será comum (comunhão do aquesto) e poderá ser usucapido por um deles. Ainda, se casados pelo regime da comunhão universal de bens, os bens anteriores e posteriores ao casamento, adquiridos a qualquer título, são considerados comuns e portanto, podem ser usucapidos nesta nova modalidade. Em suma: havendo comunhão ou simples condomínio entre cônjuges e companheiros a usucapião familiar pode ocorrer.

A posse comum não enseja a aplicação do dispositivo. Não se admite usucapião de imóvel que não seja de propriedade dos cônjuges ou companheiros. Assim, se um casal invadiu um bem imóvel urbano de até 250 m2, reunidos todos os requisitos para a aquisição da propriedade (seja por usucapião extraordinária, seja por usucapião constitucional), ainda que haja abandono por um deles do imóvel, por mais de 2 anos, o direito à usucapião será de ambos e não de apenas daquele que ficou com a posse direta do bem.

A terceira reflexão diz respeito ao termo ex-cônjuge ou ex-companheiro. A partícula “ex” significa que a união estável ou o casamento acabaram de fato ou de direito. A extinção de direito significa que houve sentença ou escritura pública reconhecendo o fim da união estável (ação declaratória de extinção da união estável), ou sentença ou escritura pública de divórcio ou separação de direito, bem como liminar em medida cautelar de separação de corpos. A extinção de fato significa fim da comunhão de vidas entre cônjuges e companheiros que não se valeram de meios judiciais ou extrajudiciais para reconhecer que a conjugalidade. É a simples saída do lar conjugal.

A separação de fato, portanto, permite o início da contagem do prazo da usucapião familiar, desde que caracterizado o abandono. A separação de fato tem sido admitida como motivo para que se reconheça o fim da sociedade conjugal e do regime de bens. Neste sentido decidiu o STJ que:

“1. O cônjuge que se encontra separado de fato não faz jus ao recebimento de quaisquer bens havidos pelo outro por herança transmitida após decisão liminar de separação de corpos. 2. Na data em que se concede a separação de corpos, desfazem-se os deveres conjugais, bem como o regime matrimonial de bens; e a essa data retroagem os efeitos da sentença de separação judicial ou divórcio. (REsp 1065209/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 08/06/2010, DJe 16/06/2010)”

Diante desta correta orientação, não há motivos para que a separação de fato não seja motivo para início do prazo desta nova modalidade de usucapião.

A quarta reflexão diz respeito ao verbo “abandonar”. Note-se que como toda a modalidade de usucapião, a usucapião familiar exige que o proprietário deixe de praticar atos que lhe são inerentes, sejam estes atos de uso, de gozo ou de reivindicação. Abandono deve ser compreendido como efetivo não exercício de atos possessórios. Se o cônjuge ou companheiro que não residir no imóvel tomar qualquer medida judicial ou extrajudicial visando à manutenção da propriedade não se configura o abandono. Exemplo clássico é o do cônjuge que propõe ação para arbitramento de aluguel pelo uso exclusivo da coisa comum ou que propõe ação de partilha do bem comum.

Evidentemente que se a mulher se valeu das medidas previstas no art. 22 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) para sua proteção, quais sejam, afastamento do marido ou companheiro do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; não há que se falar em abandono por parte do marido ou companheiro e, portanto, não há possibilidade de usucapião familiar. Se usucapião houver, será por outra modalidade qualquer, mas não a do art. 1.240-A do Código Civil.

O parágrafo 3º do dispositivo em questão é cristalino: para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial. Evidente está que se houve recusa do marido ou companheiro em sair do imóvel, a ponto de se requisitar força policial, abandono não houve para que se aplique esta nova modalidade de usucapião.

Da mesma forma, ocorrendo o disposto no art. 23 da Lei 11.340/06 não se pode dizer que houve abandono de lar, já que o juiz pode determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor; determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos; ou ainda, determinar a separação de corpos. Em todas estas situações não

Por fim, um último esclarecimento é importante. O § 2º do art. 1.240-A foi vetado pela Presidente da República. O dispositivo tinha a seguinte redação: "§ 2º No registro do título do direito previsto no caput, sendo o autor da ação judicialmente considerado hipossuficiente, sobre os emolumentos do registrador não incidirão e nem serão acrescidos a quaisquer títulos taxas, custas e contribuições para o Estado ou Distrito Federal, carteira de previdência, fundo de custeio de atos gratuitos, fundos especiais do Tribunal de Justiça, bem como de associação de classe, criados ou que venham a ser criados sob qualquer título ou denominação." A razão do veto foi a seguinte: "Os dispositivos violam o pacto federativo ao interferirem na competência tributária dos Estados, extrapolando o disposto no § 2º do art. 236 da Constituição”

II – Os problemas

Lendo as excelentes reflexões do Prof. Marcos Ehrhardt Junior (que recebi por meio do twitter @marcosehrhardt) cabem efetivamente algumas questões sobre os problemas do dispositivo e da própria usucapião.

Primeiro, bem lembra o Prof. Ehrhardt que “parece não haver nenhuma preocupação quanto à simplificação dos procedimentos processuais para reconhecimento da usucapião. Todas as iniciativas recentes voltadas ao tema visam apenas à criação de novas formas para exercício de tais direitos, criando uma miríade de requisitos distintos que apenas dificulta a aplicação e conhecimento do instituto”. Efetivamente, todos os problemas procedimentais da usucapião passam longe da preocupação legislativa. O excesso de burocracia e de custos inerentes à usucapião acaba afastando as partes de se valer desta forma de regularização fundiária.

Uma segunda questão diz respeito aos prazos. Isto porque o art. 1240 do CC (que reproduz o artigo 183 da Constituição) exige um prazo de 5 anos para usucapião e a usucapião familiar fala apenas em 2 anos. Pergunta o Prof. Ehrhardt: “O separado de fato terá mais vantagens do que aquele que ainda vive com sua família?”. A resposta é a seguinte: para a usucapião em face de terceiros prossegue o prazo de 5 anos, já para a usucapião entre cônjuges prevalece o prazo de 2 anos.

Assim, se João casado com Maria adquirem o imóvel de José e deixam de pagar as prestações. José nada faz. Após 5 anos, seno o imóvel urbano de no máximo 250m2, e o único da família, haverá a possibilidade da usucapião pelos cônjuges em face de José. Por outro lado, para João ou Maria usucapir a metade do bem que pertence ao outro cônjuge, é necessário apenas período de 2 anos após a separação de fato ou de direito do casal.

A lei presume, no meu sentir de maneira equivocada, que quando o imóvel é familiar deve o prejudicado pela posse exclusiva do outro cônjuge ou companheiro tomar medidas mais rápidas, esquecendo-se que o fim da conjugalidade envolve questões emocionais e afetivas que impedem, muitas vezes, rápida tomada de decisão. É o luto pelo fim do relacionamento.

Outra questão interessante pensada pelo Prof. Ehrhardt é a seguinte: “se ambos ingressarem com a demanda? Basta que o imóvel sirva de residência para a família, não necessariamente para o autor da ação. O texto da lei parece não permitir que a propriedade seja conferida a ambos”. Aqui ouso discordar. Nestas modalidades de usucapião a posse que se exige é personalíssima. Seu espírito é dar casa a quem não tem. Assim, que não utiliza o imóvel como residência não poderá se valer da usucapião familiar.

O próprio Prof. Ehrhardt em artigo sobre o tema prossegue com a seguinte observação. “Após minhas primeiras impressões sobre o art. 1.240-A e de algumas conversas com colegas professores, veio do amigo Lucas Abreu Barroso a mais lúcida ponderação sobre uma interpretação mais adequada para o novel instituto. Para evitar parte das dificuldades apontadas no post anterior, a solução poderia ser a seguinte: O art. 1.240-A apenas poderia ser utilizado entre cônjuges ou companheiros por ocasião do fim do relacionamento, não sendo possível sua utilização ante terceiros.”

Este me parece ser o correto alcance do dispositivo. Trata-se de usucapião exclusivamente a ser utilizado entre cônjuge ou companheiro contra seu antigo consorte que abandonou o lar e não se opôs pelo período de 2 anos a posse mansa e pacífica do outro consorte.

A utilidade do novo instituto é clara. Havendo abandono do lar, a usucapião pode ocorrer após o lapso de 2 anos. As dificuldades são evidentes. O prazo é exíguo demais para a elaboração do luto elo fim da conjugalidade. Por que um prazo inferior àqueles das demais modalidades constitucionais de usucapião?

Ademais, se o imóvel foi adquirido pelo casal, como resultado do esforço comum, seja ele material ou espiritual, qual o motivo para permitir a usucapião? No meu sentir, há uma punição patrimonial ao cônjuge ou companheiro que “abandona” a família.

Seria justa esta usucapião se o cônjuge ou companheiro abandona o imóvel e não a família? Um bom argumento ao cônjuge ou companheiro que não mais utiliza o bem é que se não abandonou a família, apenas tolerou a presença do outro no imóvel (mormente se o que permaneceu tiver a guarda dos filhos), e os atos de mera tolerância não significam posse o que impediria a verificação desta usucapião familiar.

Sinceramente, creio que teremos mais problemas que solução. Esta modalidade de usucapião significará acirramento de lutas patrimoniais no seio da família (mesmo acabada a família conjugal, prossegue a parental) comprometendo a manutenção de bons vínculos parentais, no mais das vezes. Estas reflexões iniciais servirão certamente de provocação para o aprofundamento do debate.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

ALIMENTOS PROVISIONAIS E ALIMENTOS PROVISÓRIOS

Muito se fala em cede de doutrina e jurisprudência a respeito dos alimentos provisórios e dos alimentos provisionais, sendo este um dos temas de maior relevância jurídica no que tange à área de Direito das Famílias, mas pouco se discute sobre a diferença básica entre eles. Afinal, alimentos provisionais são alimentos cautelares?
            Para responder a esta pergunta é necessário que se faça uma pequena investida na seara processual das ações cautelares.
            Sobre o assunto, Theodoro Júnior (2007, p.539) leciona que o processo cautelar tem a função de dirigir-se “à segurança e garantia do eficaz desenvolvimento e do profícuo resultado das atividades de cognição e execução, concorrendo, dessa maneira, para o atingimento do escopo geral da jurisdição”.
            Em resumo, o processo cautelar, como o próprio nome já nos ajuda, fundamenta-se na vontade de se assegurar uma situação fática que, caso não seja garantida, irá fazer com que a parte sofra um dano irreparável ou de difícil reparação, sendo que se a parte optar por essa forma de garantia terá ainda 30 dias para entrar com o processo principal.
            É nesse contexto que encontramos a possibilidade de se requerer o que chamamos de alimentos provisionais, ou seja, sempre que a parte necessitar de um sustento imediato durante o trâmite da ação principal, seja ela de anulação de casamento, separação judicial, investigação de paternidade, alimentos, etc., poderá requerê-lo através de uma ação cautelar com pedido de liminar.
            Câmara (2007, p. 195) diz que “a finalidade do instituto é prover o demandante dos meios necessários à sua subsistência enquanto durar o processo”.
            Os alimentos provisionais são regulados pelo Código de Processo Civil, que em seus artigos 852 a 854 traz o arcabouço legal para sua fixação.
            Chegamos, portanto, a nossa primeira conclusão. Os alimentos provisionais devem ser requeridos em um processo apartado do principal, tem seu deferimento através de uma liminar e sua fundamentação legal encontra-se no Código de Processo Civil.
            Já os alimentos provisórios são solicitados dentro do processo principal e, por essa razão, são regidos por uma lei especial, a lei nº 5478/68, a Lei de Alimentos.
            O despacho que defere o pedido de alimentos provisórios tem natureza de tutela antecipada, ou seja, antecipa nos próprios autos os efeitos que serão provocados por uma sentença favorável ao autor, motivado pela presença dos tão falados “fummus boni iuris” e “periculum in mora”.
            Os processos de alimentos requerem tempo para que sejam julgados definitivamente, porém os alimentos têm caráter emergencial e são inadiáveis. Para suprir as necessidades do alimentado desde o início da lide é utilizado o instituto dos alimentos provisórios, que são concedidos provisoriamente no correr de uma lide, onde se pleiteiam os alimentos definitivos. Os alimentos provisórios serão concedidos na própria ação principal, através de uma antecipação de tutela.
            Portanto, chega-se à segunda conclusão, a de que os alimentos provisórios são concedidos no bojo da própria ação principal e tem caráter de antecipação de tutela.
            Como podemos ver os institutos estão próximos em suas definições, mas suas diferenças processuais são elementares e de extrema importância, visto que um erro no momento de caracterizá-los pode causar um grande prejuízo à parte que os requer, podendo, até mesmo, ter o pedido negado pelo uso do procedimento errado.


Bibliografia
  CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil – vol III. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2007
 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – vol II. Rio de Janeiro: Forense. 2007

Fonte: http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=893

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

A função social da posse e da propriedade e o direito civil constitucional

 

Advogado em São Paulo (SP),doutorando em Direito Civil pela USP, mestre em Direito Civil Comparado pela PUC/SP, professor do Curso FMB, coordenador e professor dos cursos de pós-graduação da Escola Paulista de Direito (SP).Doutorando em direito civil pela USP.



Como não poderia ser diferente, o novo Código Civil traz inovações importantes quanto ao tratamento geral da posse e da propriedade, conceitos vitais tanto para o direito das coisas quanto para todo o direito privado.
A análise desses institutos também deve ser feita à luz da Constituição Federal, dentro da proposta de encarar o direito civil a partir do Texto Maior, e vice-versa. Aliás, pelas previsões de regulamentação e proteção da propriedade em vários dispositivos constitucionais não é possível admitir tratamento diferente.
Inicialmente quanto à posse, duas grandes escolas procuraram delimitar o seu conceito, escolas essas que para nós encontram-se superadas.
Para a teoria subjetivista ou subjetiva, cujo principal defensor foi Savigny, a posse poderia ser conceituada como o poder direto ou imediato que tem a pessoa de dispor fisicamente de um bem com a intenção de tê-lo para si e de defendê-lo contra a intervenção ou agressão de quem quer que seja. A posse, para essa corrente, possui dois elementos:
a) Corpus ¾ elemento material, constituído pelo poder físico ou de disponibilidade sobre a coisa.
b) Animus domini ¾ intenção de ter a coisa para si, de exercer sobre ela o direito de propriedade.
Logicamente, pelo segundo elemento acima descrito, podemos concluir que, para essa teoria, o locatário, o comandatário, o depositário, entre outros, não seriam possuidores, pois não há qualquer intenção de tornarem-se proprietários. Portanto, não gozariam de proteção direta, impedimento para ingressarem tais sujeitos com as competentes ações possessórias. A exemplo do Código Civil de 1916, denota-se que novo Código Civil não adotou essa corrente, já que os sujeitos acima citados são possuidores, no melhor sentido da expressão. Somente para fins de usucapião é que essa teoria é considerada, para a caracterização da posse ad usucapionem.
Para a segunda corrente, precursora de uma teoria objetivista ou objetiva da posse, e cujo principal defensor foi Ihering, para constituir a posse bastaria a pessoa dispor fisicamente da coisa ou a mera possibilidade de exercer esse contato. Essa corrente dispensa a intenção de ser dono, possuindo a posse apenas um elemento, o corpus, elemento material e único fator o visível e suscetível de comprovação, formado pela atitude externa do possuidor em relação à coisa, agindo este com o intuito de explorá-la economicamente. Aliás, para essa teoria, dentro do conceito de corpus estaria uma intenção, não o animus de ser proprietário, mas sim de explorar a coisa com fins econômicos.
Entre as duas teorias, entendemos que o novo Código Civil adotou parcialmente a teoria objetivista de Ihering, de acordo com o que consta do artigo 1.196 da atual codificação. Dessa forma, o locatário, o comandatário, entre outros, para o nosso direito, são possuidores e como tais podem utilizar as ações possessórias, inclusive contra o próprio proprietário, que não pode utilizar nessas ações a exceção de domínio (exceptio proprietatis), interpretação do art. 1.210 da novel codificação. Assim, o art. 1.196 do Código Civil define a posse como sendo o exercício pleno ou não de alguns dos poderes inerentes à propriedade.
Mas o Código atual perdeu a oportunidade de trazer expressamente uma teoria mais avançada quanto à posse, aquela que considera a sua função social, tese cujo principal defensor foi Saleilles.
Entretanto, já adiantamos que tal teoria consta do Projeto nº 6.960/02, de autoria do Deputado Ricardo Fiúza, pelo qual o artigo 1.196 passará a ter a seguinte redação: "considera-se possuidor todo aquele que tem poder fático de ingerência sócio-econômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre determinado bem da vida, que se manifesta através do exercício ou possibilidade de exercício inerente à propriedade ou outro direito real suscetível de posse". Isso, adotando sugestão de Joel Dias Figueira Jr. [01].
Sem dúvidas que a redação da proposta é muito melhor do que o atual art. 1.196, comprovando o afastamento em relação às duas correntes clássicas.
Mas, sem prejuízo dessa proposta de alteração, entendemos que o princípio da função social da posse é implícito à codificação emergente, principalmente pela valorização da posse-trabalho, conforme arts. 1.238, parágrafo único; 1.242, parágrafo único; e 1.228, §§ 4º e 5º, todos do novo Código Civil.
Como é notório, prevêem o parágrafos únicos dos arts. 1.238 e 1.242 a redução dos prazos para a usucapião extraordinária e ordinária, respectivamente, nos casos envolvendo bens imóveis. Na usucapião extraordinária o prazo é reduzido de 15 (quinze) para 10 (dez) anos; na ordinária de 10 (dez) para 5 (cinco) anos. Em ambos os casos, a redução se dá diante de uma situação de posse-trabalho, nos casos em que aquele que tem a posse utiliza o imóvel com intuito de moradia, ou realiza obras e investimentos de caráter produtivo, com relevante caráter social e econômico. Entendemos que essas reduções estão de acordo com a solidariedade social, com a proposta de erradicação da pobreza e, especificamente, com a proteção do direito à moradia, prevista no art. 6º da Constituição Federal.
A função social da posse também está presente no tratamento da desapropriação judicial por posse trabalho, prevista no art. 1.228, §§ 4º e 5º, do novo Código Civil, sobre o qual comentaremos a seguir.
Na verdade, mesmo sendo exteriorização da propriedade, o que também comprova a sua função social, a posse com ela não se confunde. É cediço que determinada pessoa pode ter a posse sem ser proprietária do bem, já que ser proprietário é ter o domínio da coisa. A posse significa apenas ter a disposição da coisa, utilizando-se dela e tirando-lhe os frutos, com fins sócioeconômicos. Pelo conceito que consta atualmente no Código Civil, podemos dizer que todo proprietário é possuidor, mas nem todo possuidor é proprietário (arts. 1.196 + 1.228 do nCC).
Assim, a propriedade é o direito que a pessoa física ou jurídica tem de usar, gozar, dispor de um bem ou reavê-lo de quem injustamente o possua ou detenha (art. 1.228, caput, do novo Código Civil). Trata-se do mais completo dos direitos subjetivos e centro do direito das coisas, devendo ser analisado à luz da função social consubstanciada na codificação privada e da Constituição Federal de 1988.
A idéia de propriedade está, assim, de acordo com o citado comando da codificação, relacionada com os seguintes direitos ou faculdades dela decorrentes:
- Direito de Gozar ou Fruir (jus fruendi) ¾ consiste na retirada dos frutos da coisa principal, sejam eles frutos naturais, industriais ou civis. Exemplificamos com o aluguel, rendimento ou fruto civil, retirado de um bem móvel ou imóvel.
- Direito de Reivindicar ou Reaver (rei vindicatio) ¾ abrange o poder de mover demanda judicial para obter o bem de quem injustamente o detenha ou possua, mediante a ação reivindicatória, principal modalidade da ação petitória, aquela em que se discute a propriedade e que não pode ser confundida com as ações possessórias.
- Direito de Usar ou Utilizar (jus utendi) ¾ consiste na faculdade, não mais o poder, que o dono tem de servir-se da coisa e utilizá-la da maneira que entender mais conveniente, sem modificação em sua substância e não causando danos a terceiro. O direito de propriedade não é mais tido como um direito totalmente absoluto, encontrando o direito de uso limitações previstas na Constituição, no próprio Código Civil e no Estatuto da Cidade, além de outras normas específicas. Nesse sentido, veda o § 2º do art. 1.228 os atos emulativos ou abuso no exercício do direito de propriedade, modalidade de abuso de direito (art. 187 do nCC), a gerar a responsabilização civil. Assim, "são defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem".
- Direito de Dispor ou Alienar (jus abutendi ou jus disponendi) ¾ consiste no poder de se desfazer da coisa a título oneroso ou gratuito, abrangendo também o poder de consumi-la ou gravá-la de ônus real (penhor, hipoteca e anticrese).
O atual Código Civil, no artigo 1.228, § 1º, reafirma a função social da propriedade acolhida no art. 5º, XXII e XXIII e artigo 170, III, todos da Constituição Federal de 1988. Na verdade, o novo Código Civil vai mais além, prevendo ao lado da função social da propriedade a sua função socioambiental com a previsão de proteção da flora, da fauna, da diversidade ecológica, do patrimônio cultural e artístico, da águas e do ar, tudo de acordo com o que prevê o artigo 225 da Constituição Federal de 1988 e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81).
Interessante lembrar que o Bem Ambiental, o meio ambiente natural e artificial, com proteção constitucional, também encontra guarida no estatuto privado, podendo ser conceituado como um bem difuso que visa a sadia qualidade de vida da presente e futuras gerações. [02]
Pois bem, já vimos que o direito de propriedade não é um direito absoluto, encontrando limites nos direitos alheios, que devem ser respeitado. No direito civil moderno, concebido à luz do Texto Maior, cada vez mais vão surgindo medidas restritivas ao direito de propriedade, impostas pelo Estado em prol da supremacia dos interesses difusos e coletivos. Assim, o direito de propriedade esbarra na sua função social e socioambiental, no interesse público, no princípio da justiça social (art. 3º, III, CF/88) e na proteção do bem comum.
Como vimos, o artigo 1.228, § 2º, do novo Código Civil, proíbe o abuso de direito ou ato emulativo no exercício do direito de propriedade, cabendo a análise das circunstâncias fáticas pelo magistrado, caso a caso, melhor idéia da ontognoselogia jurídica de Miguel Reale. Esse conceito acaba fundindo direito das coisas e direito pessoal em um mesmo plano.
Ademais, prevê o § 3º do mesmo dispositivo legal que o proprietário pode ser privado da coisa nos casos de desapropriação por necessidade, utilidade pública ou interesse social, bem como no caso de requisição, em caso de perigo público iminente.
Em seguida, o Código Civil atual inova ao trazer, nos parágrafos §§ 4º e 5º do artigo 1.228, a denominada desapropriação judicial por posse-trabalho, modalidade de expropriação privada, situação em que um considerável número de pessoas ocupa uma extensa área, por cinco anos (posse ininterrupta e de boa-fé), existindo nessa extensa área obras consideradas pelo magistrado de relevante caráter social e econômico (posse-trabalho). Essa idéia de posse trabalho, denota, mais uma vez, a função social da posse.
No caso de uma ação reinvindicatória proposta pelo proprietário, os ocupantes poderão alegar tal desapropriação como matéria de defesa, desde que paguem (os ocupantes), uma justa indenização ao reinvindicante (§ 5º). Vale ressaltar, assim, que a indenização não deverá ser paga pelo Estado, pela natureza privada da inovação. Esse aliás é o entendimento constante do enunciado nº 84 do Conselho Superior da Justiça Federal, aprovada na I Jornada de Direito Civil: "a defesa fundada no direito de aquisição com base no interesse social (art. 1.228, §4º e 5º, do novo Código Civil) deve ser argüida pelos réus na ação reivindicatória, eles próprios responsáveis pelo pagamento da indenização".
Em que pese argumento em contrário, esse modalidade aquisitiva de propriedade móvel é totalmente constitucional (conforme enunciado nº 82 CSJF), não devendo ser aplicada às ações reivindicatórias propostas pelo Poder Público (enunciado nº 83 CSJF). Por um questão lógica, quando estiver configura a situação descrita nos §§ 4º e 5º do art. 1.228 do nCC, não poderão os ocupantes alegar como matéria de defesa a usucapião, mesmo coletiva, não se aplicando a Súmula 237 do STF, pela qual "o usucapião pode ser argüido em matéria de defesa", nos casos em que os requisitos da desapropriação privada estiverem presentes. .
Dessa forma, o instituto em questão não se confunde com a usucapião coletiva, prevista nos arts. 9º e 10 do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01), eis que a indenização deverá ser paga para que os ocupantes tenham direito à esta desapropriação privada. Na usucapião, como se sabe, não há pagamento de qualquer indenização.
Observa-se que o instituto está relacionado a vários conceitos legais indeterminados, já que o dispositivo não menciona qual seria esta extensa área, qual o número de pessoas e, principalmente, quais seriam as obras tidas como de relevante caráter social. A fixação da justa indenização também dependerá do poder discricionário do juiz da causa.
Acreditamos que esta desapropriação judicial está fadada ao insucesso pois não visualizamos hipótese em que os ocupantes pagarão indenização ao proprietário. Mesmo assim, não vemos qualquer inconstitucionalidade na inovação, sendo certo que tal artigo está fundamentado, principalmente, na solidariedade social.
Por fim, interessante perceber que traz o Código Civil de 2002 regra de direito intertemporal pela qual, até dois anos após a vigência da atual codificação (até 11 de janeiro de 2.005), o prazo de 5 cincos para a configuração do instituto aqui estudado sofrerá acréscimo de mais dois anos (art. 2.030 do nCC). Desse modo, até 11/01/2005, a alegação de desapropriação judicial por posse-trabalho só caberá se os ocupantes tiverem na posse do imóvel reivindicado por 7 anos. Também há regra semelhante para as formas de usucapião extraordinária e ordinária, por posse-trabalho, (art. 2.029 NCC)

Notas

01 "Por tudo isso, perdeu-se o momento histórico de corrigir um importantíssimo dispositivo que vem causando confusão entre os jurisdicionados e, como decorrência de sua aplicação incorreta, inúmeras demandas. Ademais, o dispositivo mereceria um ajuste em face das teorias sociológicas, tendo-se em conta que foram elas, em sede possessória, que deram origem à função social da propriedade. Nesse sentido, vale registrar que foram as teorias sociológicas da posse, a partir do século XX, na Itália, com Silvio Perozzi; na França com Raymond Saleilles e, na Espanha , com Antonio Hernandez Gil, que não só colocaram por terra as célebres teorias objetiva e subjetiva de Jhering e Savigny como também tornaram-se responsáveis pelo novo conceito desses importantes institutos no mundo contemporâneo, notadamente a posse, como exteriorização da propriedade (sua verdadeira ‘função social’)". (FIGUEIRA JR, Joel Dias. Novo Código Civil Comentado. Coordenador: Ricardo Fiúza. São Paulo: Editora Saraiva, 2ª Edição, 2003, p. 1.095
02 Cf. Piva, Rui Carvalho. Bem Ambiental. São Paulo: Editora Max Limonad. 2001.

Fonte:http://jus.uol.com.br/revista/texto/7719/a-funcao-social-da-posse-e-da-propriedade-e-o-direito-civil-constitucional

domingo, 3 de julho de 2011

RESERVA LEGAL

Antônio Silveira R. dos Santos
Juiz de Direito em São Paulo

    Está em discussão nos meios legislativo, jurídico e ambiental um tema muito importante, que é a alteração do Código Florestal, cujo projeto de lei está no Congresso Nacional. A questão é muito polêmica e vem causando grandes divergências entre ambientalistas e proprietários de terras. Trata-se da estipulação do percentual ideal de preservação das áreas naturais, mediante a chamada reserva legal. Mas o que é exatamente a reserva legal? Qual a sua finalidade e importância em termos ambientais? É o que tentaremos discorrer.
    Em vista do aumento da conscientização ambiental, na sistemática legal ambiental brasileira encontramos dispositivos que limitam o direito de propriedade em prol do meio ambiente, entre eles o que impõe, no caso do proprietário rural, a conservação de um percentual do imóvel como reserva florestal, chamada reserva legal. Compreende a área de cobertura vegetal destinada à preservação e está prevista nos artigos 16 e 44 do Código Florestal (Lei nº 4.771, de 15/9/65). Diz se.............. ali que as florestas de domínio privado podem ser exploradas, mas com a conservação de 20% da cobertura arbórea em imóveis nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte sul, nos termos do art. 16; e em 80%, em se tratando de imóvel situado nas regiões Norte e parte Norte da região Centro-Oeste, conforme o art. 44 (com a redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/8/01, que altera os artigos 1º, 4º, 14, 16 e 44 e acresce dispositivos à Lei nº 4.771/65, Código Florestal, altera o artigo 10 da Lei nº 9.393, de 19/12/96, dispõe sobre o Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural-ITR, entre outras providências, e que vem sendo reeditada sistematicamente e está em votação no Congresso).
    A Constituição Federal em seu artigo 225 impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente. Para assegurar o seu equilíbrio, incumbe àquele a definição dos espaços territoriais a serem protegidos ( 1, III ). Espaços territoriais protegidos são as áreas de interesse ecológico que devem ser protegidas da devastação, podendo ser também consideradas assim as reservas legais, apesar de previstas em percentual da propriedade e não pela dimensão de algum ecossistema ou local de interesse ecológico específico, uma vez que a legislação considera a cobertura arbórea como motivo da restrição sem maiores especificações.
    A reserva legal não deve ser obrigatoriamente apenas em área de floresta de porte, como pode parecer a princípio, mas também pode abranger área degradada. É o que se depreende do disposto na Lei Federal nº 8.171/91, que dispõe sobre a política agrária, quando obriga a recomposição da reserva pelo proprietário rural, bem como do artigo 2º do decreto paulista nº 34.663, de 26/2/92, que exige o compromisso de recomposição das áreas de reserva legal para a autorização de exploração agrícola das várzeas no estado de São Paulo. Indica também que, mesmo que a mata e/ou a floresta sejam degradadas, o proprietário não está desobrigado do dever de constituí-las ou recompô-las. Só se pode recompor algo que esteja degradado.
    Além disso, na citada medida provisória, há obrigatoriedade da recomposição, também. Na verdade, o motivo que enseja a instituição dessa restrição à propriedade é a tentativa de preservação de pelo menos um percentual da cobertura vegetal, ainda existente no país, deixando margem para reconstrução do que foi devastado. Outra característica peculiar é a inalterabilidade de sua destinação. Uma vez instituída, não poderá ser alterada, a não ser nos casos previstos na lei.
    A reserva legal deve também ser averbada à margem da inscrição da matrícula imobiliária no Cartório de Registro de Imóveis, conforme estipula a nova redação do artigo 16 do Código Florestal, dada pela medida provisória em votação. Mas isso não vem ocorrendo regularmente. Devemos ressaltar, ainda, que as áreas dos imóveis rurais consideradas como reserva legal são isentas do Imposto Territorial Rural, nos termos do artigo 104 da Lei nº 8.171/91, e da nova medida provisória, o que já é, sem dúvida, um grande incentivo para a sua observância.
    Apesar de não se estar respeitando a imposição legal da instituição da reserva legal, há em nossa legislação remédio jurídico que permite a fiscalização sobre a sua obrigatoriedade, em se preenchendo as condições legais. Trata-se da ação civil pública prevista na Lei nº 7.347/85, que disciplina a tutela dos chamados interesses difusos e a defesa do meio ambiente, patrimônio cultural e dos consumidores e tem por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer (art. 2º). Há aí incluída a possibilidade de se obrigar por essa providência judicial o proprietário de concretizar a instituição e averbar a reserva legal — aliás encontramos julgados nesse sentido. O interessante e importante é que estão legitimados para propor a ação civil pública, além do Ministério Público e demais entidades relacionadas no seu artigo 5º, também as associações que estejam constituídas há pelo menos um ano e tenham entre suas finalidades a proteção do meio ambiente, o que possibilita às ONGS que preenchem esses requisitos agirem em tal sentido.
    Portanto, a reserva legal florestal é um instituto de preservação que, pelo seu percentual e destinação, mostra-se de grande importância na política do meio ambiente. Quanto ao seu percentual, a questão passa a ser de cunho técnico-biológico ambiental, a ser avaliada por especialistas em relação às características dos biomas e ecossistemas, mas, evidentemente, quanto maior for a área da reserva legal, melhor para a preservação de nossa esplêndida biodiversidade e para que consigamos deixar para as gerações futuras um importante potencial genético. Por último, vale uma observação: se com o percentual obrigatório de preservação em 80% a Floresta Amazônica está sendo derrubada impiedosamente, imaginem o que acontecerá em se diminuindo para 50%, como pretendem alguns.

Fonte: http://www.redebrasil.inf.br/0artigos/reserva_legal.htm

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Justiça social e injustiça pessoal

Eis um bom tópico de meditação ante o bombardeio de discursos eleitorais: esses sujeitos que vivem falando de “construir uma sociedade mais justa” praticam apenas a modalidade mais imperdoável de burrice, que é confundir palavras com coisas. Os termos que designam qualidades morais só se aplicam realisticamente a indivíduos humanos, não a estruturas sociais. Um homem pode ser mais justo que outro; uma sociedade, não, pelo simples fato de que a sociedade abrange tanto os autores quanto as vítimas de injustiças, e chamá-la de injusta ou justa seria colocá-los no mesmo saco. Uma sociedade pode fomentar a prática da justiça ou da injustiça, mas isso não tem nada a ver com ela ser justa ou injusta em si mesma. 

A criminalidade é notoriamente menor em ditaduras truculentas como a China ou o Irã. Tão logo suprimida a injustiça do regime vem o esculacho geral em que os cidadãos se regozijam e se desrecalcam na democratização da injustiça. Qual é a sociedade mais justa: aquela que suprime a criminalidade mantendo igualmente aterrorizados os bandidos e os cidadãos honestos, ou aquela que protege os cidadãos honestos ao ponto de ajudá-los a se tornar bandidos sem que precisem temer punições? O extremismo desses dois exemplos pode convidar o automatismo mental a buscar um hipotético meio-termo entre a repressão total e a libertinagem, mas é óbvio que não há justiça nenhuma no mero equilíbrio estatístico de dois erros. Aliás a revolta contra as injustiças é sempre maior nas sociedades que não são o bastante injustas para reprimi-la. Tal como o demonstra a paz social chinesa ou iraniana em contraste com as explosões de ódio anti-Bush nos EUA, a quantidade de injustiça real é inversamente proporcional ao desejo de erradicá-la. Mutatis mutandis, a nossa esquerda dos anos 60 berrava contra o autoritarismo brando e chinfrim dos nossos militares mas babava de admiração pela mais sangrenta ditadura latino-americana.

Toda idéia de justiça pressupõe não apenas uma distinção de mérito e demérito, mas também as diferenças escalares dentro de um e do outro. Homenagens, cargos, premiações escolares, hierarquias burocráticas, civis e militares refletem a escala do mérito, o Código Penal e os vários mecanismos de exclusão social a dos deméritos. É inútil falar em “meritocracia”, pois todas as hierarquias sociais são meritocráticas, divergindo apenas no critério de aferição dos méritos. Mesmo essa divergência é mínima. Nenhuma sociedade é tão fortemente apegada a prestígios de família que negue toda possibilidade de merecimento individual autônomo, nem é tão desapegada deles que não reconheça diferença entre ser filho de um herói nacional ou de um assassino estuprador.

Suponham uma rígida sociedade de castas e uma democracia igualitária. Qual das duas é mais justa? A sociedade de castas alega que é justa porque busca refletir na sua estrutura a ordem hierárquica dos valores, premiando em primeiro lugar os homens espirituais e santos, depois os valentes e combativos, depois os esforçados e industriosos e por fim os meramente obedientes e cordatos. Quem chamaria isso de injustiça? O igualitarismo democrático baseia-se na idéia igualmente justa de que ninguém pode prever de antemão os méritos de ninguém, sendo portanto melhor assegurar a igualdade de oportunidades para todos em vez de encaixilhá-los por nascimento em lugares estanques da hierarquia. A sociedade de castas falha porque não é garantido que os filhos de santos sejam santos, de modo que aos poucos a hierarquia social se torna apenas um símbolo remoto em vez de expressão direta da hierarquia de valores. De símbolo remoto pode mesmo passar a caricatura invertida. A democracia, por sua vez, na medida em que nivela os indivíduos nivela também suas opiniões e, portanto, os valores que elas expressam. O resultado é o achatamento de todos os valores, que favorece a ascensão dos maus, egoistas e prepotentes pela simples razão de que já não há critérios para considerá-los piores do que os mansos e generosos. Daí a observação de Georges Bernanos: a democracia não é o oposto da ditadura – é a causa da ditadura.

Pela mesma razão, todo aquele que promete eliminar as exclusões sociais começa por excluir os que não acreditam nele, e aquele que promete uma hierarquia aristocrática perfeita começa por invertê-la quando, ao reivindicar o poder necessário para construí-la, se coloca a si próprio no topo da escala e se torna a medida dela em vez de ser medido por ela.

Na alma do indivíduo bem formado é sempre possível conciliar o senso da hierarquia de valores com o sentimento da igualdade profunda entre os membros da espécie humana. O próprio amor aos valores mais elevados infundirá nele necessariamente um pouco de humildade igualitária, da qual Jesus deu exemplo constante. O indivíduo tem sempre a flexibilidade psíquica para buscar o equilíbrio dinâmico entre valores opostos. Mas nenhuma sociedade pode ser ao mesmo tempo uma sociedade de castas e uma democracia igualitária, nem muito menos ter a elasticidade necessária para passar de uma coisa à outra conforme as exigências morais de cada situação. Os valores morais existem somente na alma do indivíduo concreto. As diferentes estruturas sociais podem apenas macaqueá-los de longe, sempre sacrificando uns em proveito de outros, isto é, institucionalizando uma quota inevitável de erro e de injustiça. Os seres humanos podem ser justos ou injustos – as sociedades só podem sê-lo de maneira simbólica e convencional, eminentemente precária e relativa.

Essas distinções são elementares, e nenhum indivíduo incapaz de percebê-las intuitivamente à primeira vista está qualificado para julgar a sociedade ou muito menos propor sua substituição por outra “mais justa”. Infelizmente, essa incapacidade é precisamente a qualificação requerida hoje em dia de todos os doutrinários de partido, parlamentares, líderes de movimentos sociais etc., porque cada um deles só consegue subir na vida na medida em que personifique a “sociedade mais justa” em nome da qual legitima suas propostas. Ou seja: são sempre os homens injustos que se incumbem de promover a “justiça social”, julgando e condenando aquilo que nem mesmo compreendem. Se em vez de buscar uma “sociedade mais justa” começássemos por derrubar de seus pedestais os homens injustos, um a um, a sociedade em si não se tornaria mais justa, mas haveria mais justiça na sociedade injusta – e isto é o máximo a que seres humanos razoáveis e justos podem aspirar.

Mais um capítulo da luta dos monstros

No último número de American Scholar (outono de 2006), Bryan Boyd, professor de inglês na Universidade de Auckland, Nova Zelândia, desce o pau nos seus colegas de teoria literária por continuarem apegados aos dogmas do desconstrucionismo, que se reduzem a pó de traque quando confrontados com as descobertas mais recentes da ciência biológica.

Esses dogmas são dois, o “antifundamentismo” e a “diferença”. O primeiro afirma que nenhum conhecimento humano tem fundamento universal. O segundo diz que todas as afirmativas aparentemente universais são apenas produtos locais nascidos de interesses malignos e do desejo de poder. Enfim, não há realidade objetiva. Tudo é “cultura”, isto é, invenção mais ou menos arbitrária de signos para camuflar alguma bela sacanagem da classe dominante.

Boyd lembra que a possibilidade mesma da cultura – nesse ou em qualquer outro sentido da palavra – nasce de certas características biológicas humanas que, por sua vez, não são invenções culturais mas dados da natureza. Para piorar, a biologia vem descobrindo aspectos “culturais” – símbolos, regras, atos ritualizados – na conduta de inúmeras espécies animais, dos hipopótamos aos passarinhos. A “cultura” não é uma negação da natureza: é uma extensão dela. Enquanto os mandarins dos “estudos culturais” perseverarem na sua ignorância científica radical (mais que demonstrada no clássico episódio Alan Sokal), sua empáfia de onissapientes continuará sendo objeto de chacota entre o pessoal da biologia, da física, etc., os quais realmente sabem alguma coisa.

Até aí, tudo bem. O argumento é irrespondível. Só que, uma vez humilhado o desconstrucionismo, Boyd coloca no lugar dele o seu próprio dogma. O “antifundamentismo” e a “diferença” não estão errados em si mesmos, diz ele. Seu único problema é que opõem natureza e cultura, quando as verdadeiras razões em favor deles estão na natureza tal como compreendida pelos evolucionistas. “Quase um século antes de Derrida, a teoria darwiniana da evolução por seleção natural já havia tornado o antifundamentismo uma conseqüência inevitável.” Claro: se tudo o que acontece na cultura vem da natureza, e se esta é conduzida por mutações randômicas consolidadas pela seleção natural e pela repetição, é incontornável a conclusão de que nada que o ser humano pense tem qualquer fundamento universal – é apenas um produto local e passageiro da evolução natural. Tudo neste mundo é pois incerto e vacilante – exceto, é claro, o fator que o tornou incerto e vacilante: pode-se duvidar de tudo, exceto da evolução darwiniana. Tal como no desconstrucionismo, a suposta razão da falta de fundamentos absolutos torna-se o novo fundamento absoluto.

A simetria oposta, a igualdade dos contrários, torna-se aí mais do que visível. Para o desconstrucionismo, a total inexistência de fundamentos objetivos instaura imediatamente o reinado do fundamento metodológico único, que é ele próprio. Daí a intolerância dogmática com que os gurus desconstrucionistas recusam dialogar com seus críticos – quando chegam a reconhecer que há algum. O desconstrucionismo é tão autoritário e prepotente que se autodenomina “a Teoria”, com ênfase no artigo e na inicial maiúscula, quer dizer, a única teoria que existe ou tem o direito de existir. Boyd cita a propósito o crítico Christopher Ricks: “O império da Teoria é zelosamente inquisitorial com relação a todos os outros impérios exceto o dele próprio.”

Se a ausência de fundamento objetivo gera o império da Teoria, Boyd derruba esse império restaurando um fundamento objetivo incapaz de ser neutralizado por ele, mas com base nesse fundamento ergue um novo império: o do evolucionismo. Só que, se o desconstrucionismo não podia ser discutido porque era a única teoria possível, o evolucionismo também não pode ser discutido, mas por uma razão ainda mais forte: ele não quer ser mera “teoria” – exige ser aceito como “um fato”. Qualquer objeção possível fica assim descartada a priori, já que todas as discussões têm de começar com o reconhecimento unânime do fato, ou melhor, “do” Fato – com ênfase verdadeiramente derridática no artigo e na inicial maiúscula. Não é de espantar que o clero evolucionista seja ainda mais intolerante do que o desconstrucionista, não apenas desprezando os adversários como inexistentes mas demitindo-os de seus cargos, ameçando interná-los em hospícios, negando suas credenciais acadêmicas por mais respeitáveis que sejam e tentando impor a poibição legal de colocar em dúvida “o Fato”.

O ardil retórico com que duas idéias, tão falíveis como quaisquer outras, usam o pretexto da falibilidade geral como artifício para impor-se como infalíveis, é o mesmo em ambos os casos. Se o descontrucionismo se arvorou em dono da cultura negando a existência da natureza, o movimento que hoje se conhece como “darwinização da cultura” (v. uma discussão favorável em Robert Aunger, ed., Darwinizing Culture, Oxford University Press, 2000) vai um pouco mais longe: restaura a natureza para proclamar-se a um tempo senhor absoluto dela e da cultura. Dois de seus apóstolos mais fanáticos, Richard Dawkins e Daniel C. Dennett, proclamam que o evolucionismo deve mesmo suprimir as religiões e tomar o lugar delas como orientador moral e espiritual da humanidade. Tudo isso, é claro, em nome da modéstia científica.

Um dia a humanidade vai rir dessas coisas, como hoje ri do positivismo comtiano, da filosofia marxista da História ou do cientificismo racista de Ernst Haeckel e Thomas Huxley. Mas até lá ainda haverá muito o que chorar ante a devastação que a luta dos monstros vai produzindo na inteligência humana.

Falsos amigos

Um detalhe especialmente deprimente nesse panorama é a filiação política mal disfarçada dos desconstrutores e darwinizantes. Os primeiros estão em geral na extrema-esquerda, torcendo pelos terroristas, pedindo a cabeça de George W. Bush, a extinção de Israel e, de modo geral, o fim do Ocidente. O partido darwinista está mais próximo dos “liberal-revolucionários”, que se dizem adeptos do Ocidente, mas de um Ocidente amputado de suas raízes judaico-cristãs, e favoráveis à liberdade de mercado, que eles vêem, no entanto, não como expressão dos valores religiosos e morais que a criaram, mas como o meio mais fácil de promover, sem perdas econômicas traumáticas, o avanço da agenda cultural do movimento revolucionário: abortismo, casamento gay, cotas raciais, o diabo.

Não é preciso dizer que desde suas origens o movimento revolucionário sempre agiu com esses dois braços, usando um ou o outro conforme as conveniências do momento. Na presente situação brasileira, a tentação que pode deitar a perder as parcas energias do nascente movimento conservador é a de submeter-se ao partido liberal-revolucionário e, sob o pretexto de “concessões inevitáveis”, ajudar a fomentar a agenda cultural esquerdista em troca de um pouquinho de liberdade econômica, exorcisando Belzebu em nome de Satanás. Neste momento, os liberal-revolucionários mal perceberam a emergência do movimento conservador e já trataram de se organizar, juntando recursos milionários, para parasitá-lo, desviá-lo de seus fins e usá-lo em benefício próprio. Quando vocês ouvirem alguém pregando liberdade de mercado separada dos valores judaico-cristãos e associada a propostas “politicamente corretas” na esfera cultural e moral, justificadas a título de concessões espertalhonas ou sob qualquer outro pretexto, saibam que não estão na presença de um conservador, mas de um agente infiltrado ou de um idiota útil a serviço daquilo que ele diz combater. O futuro do movimento conservador no Brasil depende de que esses seus falsos amigos sejam identificados e desmascarados, como o foram nos EUA por uma militância conservadora que ganhou muita força ao expeli-los.

Por enquanto estas explicações podem parecer um tanto genéricas, mas num dos próximos artigos darei nomes a bois e vacas, se é que no fundo vocês já não adivinharam a identidade do rebanho inteiro.  



quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Curiosidades Jurídicas




ONDE SURGIU A PRIMEIRA MULHER ADVOGADA?


É interessante, para nós estudantes mulheres de Direito e também para as mulheres em geral, ter o conhecimento de nossas primeiras representantes nas profissões e órgãos de atuação na sociedade. 

Na área do Direito, por exemplo, sabemos que Roma foi o esplendor e base para os ordenamentos ocidentais, pois foi da prática romana que legamos muitos de nossos institutos jurídicos. 

E é lá em Roma que a primeira advogada surgiu, como não poderia ser diferente, e o seu nome era Carfânia. 

Nos textos históricos latinos, Carphania ( grafia em latim ), aparece como uma advogada apaixonada, ou seja, ela defendia as suas causas com empenho, com emoção, e, por causa disso, não era muito bem vista pelos juristas da época, haja vista que a mulher não possuia liberdade para exercer muitos papéis na sociedade. 

Percebe-se que Roma e os romanos eram muito preconceituosos quanto à presença das mulheres como juristas nos foruns. 

Porém, independentemente dos preconceitos que enfrentava, Carfânia não se deixou influenciar negativamente, antes continuou em sua batalha pelo Direito. 

Vemos, assim, que nossa vanguardista Carfânia é uma figura exemplar para todas nós, pois já naquela época mostrava para a sociedade que a mulher tem valores e capacidade para exercer profissões que são vistas como predominantemente masculinas. 

Desse modo, é motivo de orgulho saber que nossa classe, desde os primórdios do Direito, já contava com a representação de uma moça corajosa, inteligente e pronta a enfrentar o preconceito e as barreiras no mundo jurídico. 

Será que hoje não há ainda muitas Carfânias por aí? será que o preconceito contra a mulher jurista acabou? Independentemente da resposta para você, o importante é ter a coragem e a dignidade de Carfânia, que, apesar de todos os obstáculos, não deixou de entrar para a história como a primeira advogada de que se tem notícia! 

Texto elaborado por Camila de Camargo Silva Venturelli- graduanda em Direito pela USP - Fonte: Site Aldeia Juridica

QUANDO E ONDE SURGIU O CHEQUE?


A doutrina comercialista, afirma que mesmo sendo intimamente diferentes e inconfundíveis,o cheque e a letra de câmbio tem origem comum. De certo que tal título,remonta da Idade Média, principalmente na Itália,Inglaterra e França,sendo na Itália emergente com o desenvolvimento dos bancos de depósito,os quais tinham por função a guarda de valores. Tais bancos emitiam certificados,através dos quais outorgavam aos seus clientes o direito de dispor dos valores consignados para si ou para terceiros. Na Inglaterra,o cheque teve mais propício ambiente para seu desenvolvimento,sendo através dele que a nobreza inglesa expedia ordens de pagamento aos seus tesoureiros. Na França,onde se praticava o uso de recibos de depósito,embrião do cheque,ocorreu a primeira regulamentação deste instituto,através da Lei de 14 de julho de 1865,complementada depois pela Lei de 19 de fevereiro de 1874. 

No Brasil,tivemos a omissão do legislador, sobre tal instituto na edição do Código Comercial, somente tendo alguma regulamentação na Lei Nº.1.083 de 1860,que regulamentou os bancos e meio circulante. Com efeito foi pois,na Lei Nº..149-B de 1893,que houve a primeira vez a denominação cheque,para identificar o título em estudo,sendo que,já se havia utilizado tal expressão no Decreto Nº.917 de 1890,primeira Lei de Falências editada,porém sem regulamentação. 

Daí,tivemos várias leis regulamentadoras do instituto cheque,chegando na atualidade a sedimentação legislativa através da Lei 7.357/85,que além de incorporar as normas da Lei Uniforme de Genebra,regulamentou as lacunas deixadas pelas reservas opostas pelo nosso Governo a Convenção de Genebra. 

Fonte:Dr.Humberto B.N.Machado Júnior 

QUE ATÉ 1983 HAVIA ADVOGADOS DO DIABO?


Antigamente, durante o processo de canonização pela Igreja Católica havia um Promotor da Fé (Latim Promotor Fidei), e um Advogado do Diabo (Latim advocatus diaboli), papéis desempenhados por advogados nomeados pela própria Igreja. O primeiro apresentava argumentos em favor da canonização o segundo fazia o contrário, ou seja, argumentava contra a canonização do candidato; era seu dever olhar sem paixões o processo, procurando lacunas nas provas de forma a poder dizer, por exemplo, que os milagres supostamente feitos eram falsos, etc. 

O ofício de Advogado do Diabo foi estabelecido em 1587 e foi abolido pelo Papa João Paulo II em 1983. Isto causou uma subida dramática no número de indivíduos canonizados: cerca de 500 canonizados e mais de 1300 beatificados a partir desta data, enquanto apenas houvera 98 canonizações no período que vai de 1900 a 1983. Isto sugere que os Advogados do Diabo, de fato, reduziam o número de canonizações. Alguns pensam que terá sido um cargo útil para assegurar que tais procedimentos não ocorressem sem causa merecida, e que a santidade não era reconhecida com muita facilidade.


DE ONDE SURGIU O TERMO "VARA" EMPREGADO NO PODER JUDICIÁRIO?


O termo "Vara" atualmente é uma divisão na estrutura judiciária que corresponde à lotação de um juiz. No Brasil, durante o período Colonial , Portugal adotou uma unidade político-administrativa baseada no modelo da República Romana, com a criação da Câmara Colonial. 

Os dois juízes ordinários, eleitos anualmente, alternavam-se no cargo de presidente da Câmara. Suas atribuições consistiam em distribuir justiça aos povos, sendo definidos como juiz mais velho e juiz mais moço e, segundo as Ordenações Filipinas 

“ os juízes ordinários e outros que Nós de fora mandarmos, devem trabalhar, que nos lugares e seus termos, onde forem Juizes, se não façam malefícios, nem malfeitorias. E fazendo-se, provejam nisso procedendo contra os culpados com diligência (Ordenações Filipinas, Livro I, título LXV, p. 134).” 

Estes magistrados diferiam essencialmente dos chamados “juízes de fora” que, conforme mencionado no parágrafo acima, eram enviados pelo rei às Vilas. Os juizes ordinários, praticavam uma modalidade de justiça baseada no Direito Consuetudinário ou de Costumes, nem sempre do agrado do poder real, razão pela qual foram instituídos os Juízes de Fora. Segundo Almeida, 

“os juízes ordinários eram independentes da realeza e a legislação que executavam estava fora do alcance do mesmo poder, e só o costume poderia alterá-la. Ali o predomínio da chicana eram impossível pois todos conheciam a legislação e o arbítrio do juiz expirava com o anno. (Almeida, 1870, nota 2, p. 134. In: Ordenações Filipinas, Liv. 1)” 

Os juízes de fora, instruídos no Direito Romano, legislação que favorecia em muito os reis e por eles preferidos, acabaram por ser impostos a todas as Vilas, restringindo paulatinamente a jurisdição dos juízes da Câmara. O símbolo da autoridade dos juízes ordinários e magistrados era a vara que deviam portar obrigatoriamente, de acordo com o título LXV, § 1: 

“E os juízes ordinários trarão varas vermelhas e os juízes de fora brancas continuadamente, quando pella Villa andarem, sob pena de quinhentos réis, por cada vez, que sem ella forem achados”. (Ordenações Filipinas, Liv. 1, p. 135). 

A função da insígnia era tornar visível a autoridade de seu portador e assegurar a imediata obediência a suas ordens. Esta simbologia permanece nos dias de hoje na designação das divisões do poder judiciário, denominadas “varas”, e em expressões tais como “conduzido debaixo de vara”, significando “forçado pela autoridade judicial”. Bluteau dá a etimologia da palavra vereador como sendo da mesma raiz do verbo ver, mas também levanta a hipótese de que possa ter se originado da palavra “vara”, em função da existência da variante “vareador” para o vocábulo. O mesmo autor se refere ainda ao uso do fasces romano, descrevendo-o como um feixe de varas com um machado em seu interior, atado por correias, conduzidos por lictores, que eram executores da justiça dispensada pelos magistrados. Os condenados eram açoitados com as varas, amarrado com as correias e decapitado com o machado. 


Fonte: Memorial Colonial - http://cmop.mg.gov.br/