quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O QUE É PRECISO SABER SOBRE ALUGUEL RESIDENCIAL


Ao alugar um imóvel é necessário documentar a negociação por meio de um contrato, de preferência, escrito . O inquilino deve ler atentamente todas as suas cláusulas, guardando uma cópia junto com os recibos de pagamento do aluguel e encargos.
 
 
Entretanto, o contrato também pode ser verbal. Mas é importante que você possua meios de provar a locação. Isto pode ser feito através dos recibos de pagamento do aluguel, contas de luz, testemunhas etc.
 
A lei que cuida dos aluguéis é a Lei 8245 de 18 de outubro de 1991.
 
Contrato de locação é o ajuste firmado onde o locador entrega imóvel para uso do locatário , mediante pagamento (aluguel).
 
Locador é o representante ou proprietário do imóvel (senhorio).
 
Locatário é aquele que aluga o imóvel (inquilino).
 
 
Cuidados antes de alugar um imóvel
 
Verifique pessoalmente as condições do imóvel. Realize junto com o proprietário, uma vistoria anotando o estado de conservação do imóvel; por meio de termo de vistoria por escrito , evitando problemas futuros.
 
Faça constar do contrato: valor do aluguel, índice de reajuste (IGPM, IGP, IPC), duração da locação, multas por atraso no pagamento, forma e local de pagamento aluguel etc.
 
Não poderá ser cobrado do inquilino nenhum valor referente à elaboração do contrato ou de ficha cadastral . Essas despesas devem ser pagas pelo locador.
 
O proprietário poderá exigir que o inquilino ofereça alguma garantia para a locação. Somente uma das garantias, abaixo, poderá ser exigida:
 
- Caução: Pode ser de bens móveis ou imóveis. Normalmente é em dinheiro, não podendo exceder ao valor de três aluguéis e deverá ser depositada em caderneta de poupança. No final do contrato, não havendo dívidas, o inquilino deverá receber o total da conta de poupança.
 
- Fiança: O inquilino apresenta pessoa que se responsabiliza pelos encargos da locação (fiador).
 
- Seguro fiança: O inquilino faz um seguro junto a uma companhia seguradora.
 
Importante: A cobrança antecipada do valor do aluguel (mês a vencer) somente poderá ser exigida pelo proprietário, caso o inquilino não ofereça uma das garantias acima descritas.
 
 
Direitos e deveres na locação
 
Deveres do proprietário (locador):
 
- entregar o imóvel em condições de uso. Se o inquilino perceber qualquer problema após a locação, deverá comunicar o proprietário e solicitar o conserto, por escrito;
 
- fornecer os recibos de pagamento do aluguel discriminado;
 
- pagar os impostos (IPTU), taxas e prêmios de seguro complementar contra incêndio. Porém, se no contrato constar que essa obrigação é do inquilino, ele terá que cumprir o que foi estabelecido;
 
- no caso de apartamento, cabe ao proprietário pagar as despesas extraordinárias do condomínio: reformas no prédio, fundo de reserva, troca de cabo de elevador etc.
 
 
Deveres do inquilino (locatário):
 
- pagar pontualmente o aluguel no prazo e local estipulados;
 
- utilizar o imóvel conforme determinado em contrato (se para fins residenciais, não poderá ser utilizado para comércio);
 
- restituir o imóvel, no final da locação, no estado em que o recebeu;
 
- não modificar o imóvel sem o consentimento prévio, e por escrito, do proprietário;
 
- no caso de apartamento, cabe ao inquilino pagar as despesas ordinárias do condomínio: luz, água, limpeza, salários dos empregados.
 
 
Reajuste do aluguel
 
Com a Lei 9069/95 (Plano Real), o reajuste dos aluguéis passou a ser anual, com base no índice determinado em contrato. Não pode ser utilizada variação do salário mínimo ou de moeda estrangeira.
 
 
Revisão do valor do aluguel (Revisional)
 
A cada três anos, o valor do aluguel pode ser alterado ao preço de mercado. A revisão pode ser solicitada tanto pelo proprietário quanto pelo inquilino. É conveniente que as partes façam um acordo amigável no momento da revisional, evitando discussões judiciais longas e dispendiosas. A revisão pode aumentar ou diminuir o valor do aluguel.
 
 
Desocupação do imóvel pelo inquilino
 
Ao desocupar o imóvel, o inquilino após o cumprimento de sua obrigações e resguardados seus direitos, deve solicitar à imobiliária, ou ao proprietário, o comprovante de quitação e entrega das chaves.
 
 
Rescisão do contrato
 
O inquilino poderá deixar o imóvel antes do prazo, desde que pague a multa estabelecida em contrato (geralmente três meses de aluguel). Entretanto, essa multa deve ser proporcional ao tempo restante da locação; por exemplo, se o inquilino cumpriu 20 meses de uma locação com prazo total de 30 meses, o proprietário só poderá cobrar a multa proporcional ao período restante, ou seja 10 meses. Assim se a multa estipulada é equivalente a 3 meses de aluguel o inquilino só pagará o valor relativo a 1 mês de aluguel.
 
 
Problemas que podem surgir durante a locação
 
- Atraso ou falta de pagamento do aluguel:
 
O aluguel não pago no vencimento pode sofrer acréscimo de até 1% de juros e multa prevista em contrato;
 
O proprietário poderá ingressar com ação de despejo, mesmo que tenha transcorrido pouco tempo de não pagamento do aluguel e encargos. Caso isso ocorra, o inquilino poderá evitar o despejo, pagando o débito integral atualizado, encargos, multas, penalidades, custas e honorários advocatícios.
 
- Recusa do proprietário em receber o aluguel com o reajuste determinado por lei:
 
Quando isso ocorrer, o inquilino não poderá deixar de pagar o aluguel. Deve-se calcular o valor correto e fazer a consignação junto ao Poder Judiciário, nos termos da lei. O inquilino carente poderá recorrer às assistências jurídicas gratuitas, inclusive da Procuradoria Geral do Estado. Poderá também ser feita a consignação extrajudicial através de banco oficial, informe-se préviamente sobre as implicações da escolha desse procedimento.
 
 
Venda do imóvel alugado
 
É fundamental o registro do contrato de locação, no Cartório Imobiliário, no mínimo 30 dias antes da venda. O proprietário que pretender vender o imóvel terá que comunicar ao inquilino, por escrito, dando-lhe preferência na compra. Se não feita a comunicação o inquilino poderá exercer seu direito de preferência;
 
Se o imóvel for vendido e o contrato estiver no prazo determinado, cabe ao novo proprietário respeitar o prazo restante da locação desde que o contrato esteja registrado no Cartório Imobiliário e tenha cláusula de vigência (estipulação contratual que obriga a manutenção da locação em caso de venda).
 
 
Retomada do imóvel pelo proprietário
 
O proprietário pode pedir que o inquilino desocupe o imóvel em algumas situações. As principais são:
 
a) contratos com prazo de trinta meses ou mais: O imóvel poderá ser retomado por " denúncia vazia " (sem qualquer justificativa) no fim do prazo contratado ou a qualquer momento após esse prazo. O inquilino terá 30 dias para a desocupação.
 
b) contratos com prazo inferior a trinta meses: O proprietário que não tiver outro imóvel, poderá pedi-lo nos seguintes casos:
 
- para uso próprio, de descendente (filhos, netos) ou ascendente (pais, avós);
 
- necessidade de reparação urgente, determinada pelo poder público;
 
- para demolição ou obras aprovadas;
 
- após cinco anos de locação com o mesmo inquilino.
 
Se o proprietário entrar com ação para a retomada do imóvel o inquilino poderá, no prazo de contestação e através de advogado, manifestar-se concordando com a desocupação. Serão, então, concedidos seis meses para a saída.
 
 
Habitação Coletiva (Multifamiliar)
 
Entende-se como habitação multifamiliar, a(s) área(s) de imóvel(is) subdividida(s) para utilização por diversas familias. A legislação confere proteção específica aos inquilinos de habitações multifamiliares. É importante que o contrato seja escrito deixa ndo claro como serão divididas as despesas comuns do imóvel (água, luz, imposto) entre os moradores, que devem ser apresentadas e comprovadas pelo locador.
 

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Bullying: Implicações Criminológicas

LÉLIO BRAGA CALHAU

Promotor de Justiça (criminal) do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Pós-Graduado em Direito Penal pela Universidade de Salamanca (Espanha).
Mestre em Direito do Estado e Cidadania pela Universidade Gama Filho (RJ).
Professor de Direito Penal da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE).
2º Diretor Secretário do ICP – Instituto de Ciências Penais de Minas Gerais.
Autor do livro “Resumo de Criminologia”, 4ª ed., Impetus, RJ, 2009.
1. Notas introdutórias – 2. Criminologia: uma visão interdisciplinar – 3. Bullying: raízes da violência e a contribuição de Albert Bandura – 4. A caracterização do bullying – 5. Reprodução do bullying na vida cotidiana – 6. Bullying e gangues: algumas semelhanças – 7. Considerações finais – 8. Referências bibliográficas.
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1. Notas introdutórias.

É notório que o Brasil passa um grave problema de aumento da criminalidade. Esse fato fica bem demonstrado quando analisamos a situação do sistema penitenciário brasileiro. Embora a população carcerária tenha crescido muito e de forma rápida nos últimos quinze anos, não houve uma redução significativa nos índices de criminalidade.
A criminalidade aumentou nas grandes cidades e, agora, avança rumo ás cidades médias. A população está assustada. Muitos afirmam que estão presos dentro de suas próprias casas. O Sistema da Justiça (Poder Judiciário, Ministério Público, Polícias e Administração Penitenciária) é acusado de não funcionar corretamente e não garantir a proteção desejada pela sociedade civil.
O Direito Penal é acusado de ser injusto: grave para alguns e demasiadamente benevolente para os infratores das classes média e alta. A Criminologia busca, com seu conhecimento sistematizado, reverter essa situação. Cabe á Criminologia coletar, organizar e interpretar a ocorrência dos crimes, possibilitando uma estruturação e compreensão adequada da criminalidade. Essa tarefa não é realizada pelo Direito Penal, ele apenas age após a ocorrência dos crimes. A criminologia busca antecipar a ocorrência dos crimes e intervir para que os mesmo não ocorram.
A Criminologia busca, então, prevenir os crimes. Para tanto é necessário que o criminólogo pesquise e estude os fatores que originam a criminalidade. Já está superado há muito o pensamento que defendia a ocorrência de crimes por força de apenas um elemento (biológico sociológico ou psicológico etc.). Hoje, trabalhamos com fatores concorrentes. Não há uma motivação única, mas fatores que concorrem para a ocorrência de crimes.
O bullying, neste contexto, é uma situação, que, em não sendo controlado, propicia a ocorrência de situações-problema e a sua posterior reprodução no meio social, de forma que a tolerância e o respeito sejam abandonados em detrimento de uma linha de relação pessoal interpessoal onde seja aplicada a exploração do mais fraco pelo mais forte. A sensibilização da Criminologia, na sua missão de prevenir a ocorrência de crimes, é trazer á lume essa prejudicial relação dinâmica entre protagonistas, expectadores e vítimas no bullying.

2. Criminologia: uma visão interdisciplinar

O Direito Penal trabalha com o método dedutivo. Ele dá a norma e estuda a sua interpretação e aplicação. Partimos do geral para o específico. A Criminologia faz a operação inversa, ela trabalha com o método indutivo, parte do estudo dos casos e induz para a regra geral.
Outra grande contribuição da Criminologia para o estudo do bullying (e do resto dos crimes) é a utilização do método interdisciplinar (dizem alguns autores também do método transdisciplinar).
O profissional do direito (juiz, promotor, delegado, advogado, defensor público etc.), regra geral, sente dificuldades em manejar o conhecimento de outras áreas. É comum o profissional do Direito encarar o Direito como o supra-sumo do conhecimento, o “conhecimento dos deuses”, uma espécie de conhecimento superior, em detrimento ás demais áreas de conhecimento. Isso é refletido na postura de alguns desses profissionais. Salo de Carvalho chama este processo de “hierarquização do saber”.
A Criminologia não admite essa visão, busca integrar todas as formas possíveis de conhecimento, para a melhor compreensão do fenômeno criminal.
A Criminologia é a ciência que estuda o fenômeno criminal e, em resumo, busca o seu diagnóstico, prevenção e seu controle. Para tanto, ela utiliza uma abordagem interdisciplinar e se vale de conhecimento específico de outros setores como a sociologia, psicologia, biologia, psiquiatria etc., para lançar um novo foco, com a busca de uma visão integrada sobre o fenômeno criminal.
A Criminologia busca mais que a multidisciplinariedade. Esta ocorre quando os saberes parciais trabalham lado a lado em distintas visões sobre um determinado problema. Já a interdisciplinaridade existe quando os saberes parciais se integram e cooperam entre si. Fazendo um paralelo com o marketing, a multidisciplinariedade busca agradar o cliente, e a interdisciplinaridade quer encantar o cliente. Vê-se que a visão interdisciplinar é mais profunda que a abordagem multidisciplinar.
Toda vez que a Criminologia tentou identificar um fator isolado como causador da criminalidade ela cometeu um grande erro. Hoje, o que sabemos, é que a criminalidade tem inúmeras motivações e fatores (uns internos e outros externos) concorrentes e que de uma forma ou outra facilitam o surgimento dos crimes.

3. Bullying: raízes da violência e a contribuição de Albert Bandura.

A questão da infância e da juventude é ponto nuclear para compreendermos alguns dos (inúmeros) fatores que podem influenciar efetivamente a prática dos delitos. O que ocorre em nossa infância vai refletir em nossa vida adulta. A Criminologia tem buscado junto á Psicologia entender como esses fatores influenciam o ser humano em desenvolvimento, propiciando situações que o predisponham ao envolvimento futuro com crimes, em especial, os praticados com violência ou grave ameaça.
Mas o que o fenômeno bullying pode ter com relação direta à violência e a criminalidade no Brasil. Pouco estudado ainda no Brasil e quase que totalmente desconhecido pela comunidade jurídica, o bullying começa a ganhar espaço nos estudos desenvolvidos por pedagogos e psicólogos que lidam com o meio escolar.
Para simplificarmos de forma objetiva a questão da reprodução da violência no ambiente escolar, poderíamos falar de dezenas de abordagens, o que foge do caráter sintético deste trabalho. De forma exemplificativa, apresento o trabalho do psicólogo Albert Bandura e sua teoria da aprendizagem social.
Bandura e seus colegas conduziram uma série de estudos, hoje bastantes conhecidos sobre a aprendizagem observacional de comportamentos agressivos em crianças. Nesses estudos, as crianças assistiam a um filme que mostrava um adulto tendo comportamento agressivo com um palhaço de plástico inflável – socando, batendo, dando pontapés e marteladas no boneco João Bobo. As crianças que assistiam as cenas de comportamento agressivo eram mais propensas a comportar-se agressivamente quando depois lhes era permitido brincar com o boneco. Além disso, quando as crianças viam o adulto ser recompensado pela agressão também tendiam a comportar-se de modo agressivo, em comparação com aquelas que estavam no grupo de controle em que o adulto não era recompensado nem punido. Contrariamente, as crianças que assistiam à punição do adulto eram menos propensas a comportar-se de modo agressivo do que as do grupo de controle. Porém, ver um comportamento agressivo ser recompensado não era necessário para induzir o aumento da agressão. As crianças que não viam o comportamento agressivo ser recompensado eram mais agressivas posteriormente do que as que viam o mesmo modelo adulto ter comportamentos neutros (e também não recompensados). A aprendizagem observacional não exigia a observação de recompensas; apenas o ato de ver o próprio comportamento agressivo era suficiente para ensiná-lo ás crianças.
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Foto 1: Experimento de Albert Bandura – “João Bobo/Bobo Doll Experiment”.
Vários experimentos subseqüentes demonstraram que as pessoas aprendem uma variedade de reações novas só de percebê-las em outras. Isso é preocupante porque as pessoas estão assistindo a uma quantidade cada vez maior de filmes e programas de televisão bastante violentos. Bandura afirmou que os indivíduos podem reunir informações provenientes de várias observações distintas, de modo que novos modelos de comportamento um tanto quanto diferentes de qualquer outro antes estudado podem ser desenvolvidos.
A capacidade de dar respostas novas observadas algum tempo antes, mas nunca realmente praticadas, é possível devido às habilidades cognitivas humanas. Os estímulos oferecidos pelo modelo são transformados em imagens daquilo que o modelo fez ou disse ou parecia e, ainda mais importante, são transformados em símbolos verbais que mais tarde podem ser lembrados. Essas habilidades cognitivas, simbólicas, também permitem aos indivíduos transformar aquilo que aprenderam ou combinar o que observaram em diferentes modelos em novos padrões de comportamento. Assim, ao observar os outros, podemos desenvolver soluções novas, e não simplesmente imitações obedientes.
Bandura sugere que a exposição a modelos, além de levar á aquisição de novos comportamentos, tem outros dois tipos de efeito. Primeiro, o comportamento de um modelo pode simplesmente servir para provocar o desempenho de respostas semelhantes já existentes no repertório do observador. Esse efeito facilitador é especialmente provável quando o comportamento é de natureza socialmente aceitável. A segunda maneira como um modelo pode influenciar um observador ocorre quando um modelo está apresentando um comportamento socialmente proscrito ou desviante. As inibições do observador com relação a ter aquele comportamento podem ser reforçadas ou enfraquecidas ao observar o modelo, dependendo de o comportamento do modelo ter sido punido ou recompensado.
Vítimas e espectadores, submetidos a atos de bullying, comportamento social desviante (podendo até ser criminoso quando envolvem adultos) adquirem um novo modelo de comportamento pela observação do comportamento de outros. Esse modelo de comportamento do bullying não necessita ser reforçado. Elas passam a internalizar que tal conduta é “permitida”, mesmo sendo efetivamente desviante, e que tais ações de exploração do mais fraco, do diferente, do deficiente físico são válidas para o seu grupo.
Os seres humanos aprendem observando. Esta é a reposta simples que Bandura propôs. Intuitivamente, ela é óbvia. Contudo, a aprendizagem pela observação viola o pressuposto tradicional da teoria da aprendizagem – segundo o qual a aprendizagem só ocorre se existir reforço. Bandura afirmou que é possível distinguir entre a aprendizagem e o desempenho. O reforço fornece os incentivos necessários para o desempenho, mas não é imprescindível para a aprendizagem.
O experimento de Bandura nos demonstra a capacidade que as crianças (e todos os seres humanos) possuem de aprender comportamentos agressivos apenas com a mera observação dos mesmos. Essa situação, no caso do bullying, se aplica a todos os envolvidos ( inclusive espectadores e vítimas), que acabam internalizando esse padrão de comportamento (uso da violência) em suas vidas.

4. A caracterização do bullying.

Existem alguns critérios básicos, que foram estabelecidos pelo pesquisador Dan Olweus, da Universidade de Bergen, Noruega (1978 a 1993), para identificar as condutas de bullying e diferencia-las de outras formas de violência e das brincadeiras próprias da idade. Os critérios estabelecidos são: ações repetitivas contra a mesma vítima num período prolongado de tempo; desequilíbrio de poder, o que dificulta a defesa da vítima; ausência de motivos que justifiquem os ataques. Acrescentamos ainda que devem levar em consideração os sentimentos negativos mobilizados e as seqüelas emocionais, vivenciados pelas vítimas de bullying.
Para Cleo Fante, o bullying é uma palavra de origem inglesa, adotada em muitos países para definir o desejo consciente e deliberado de maltratar uma outra pessoa e colocá-la sob tensão; termo que conceitua os comportamentos agressivos e anti-sociais, utilizado pela literatura psicológica anglo-saxônica nos estudos sobre a violência escolar. Não se tratam aqui de pequenas brincadeiras próprias da infância, mas de casos de violência, em muitos casos de forma velada praticadas por agressores contra vítimas. Elas podem ocorrer dentro de salas de aulas, corredores, pátios de escolas ou até nos arredores. Elas são, na maioria das vezes, realizadas de forma repetitiva e com desequilíbrio de poder. Essas agressões morais ou até físicas podem causar danos psicológicos para a criança e o adolescente facilitando posteriormente a entrada dos mesmos no mundo do crime.
Para a Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção á Infância e à Adolescência (ABRAPIA), por não existir uma palavra na língua portuguesa capaz de expressar todas as situações de bullying, as ações que podem estar presentes no bullying são: colocar apelidos, ofender, zoar, gozar, encarnar, sacanear, humilhar, fazer sofrer, discriminar, excluir, isolar, ignorar, intimidar, perseguir, assediar, aterrorizar, amedrontar, tiranizar, dominar, agredir, bater, chutar, empurra, ferir, roubar e quebrar pertences.

5. Reprodução do bullying na vida cotidiana

É comum entre os alunos de uma classe a existência de diversos conflitos e tensões. Há ainda inúmeras outras interações agressivas, ás vezes como diversão ou como forma de auto-afirmação e para se comprovarem as relações de força que os alunos estabelecem entre si. Caso exista na classe um agressor em potencial ou vários deles, seu comportamento agressivo influenciará nas atividades dos alunos, promovendo interações ásperas, veementes e violentas. Devido ao temperando irritadiço do agressor e á sua acentuada necessidade de ameaçar, dominar e subjugar os outros de forma impositiva pelo uso de força, as adversidades e as frustrações menores que surgem acabam por provocar reações intensas. Ás vezes, essas reações assumem caráter agressivo em razão da tendência do agressor a empregar meios violentos nas situações de conflitos. Em virtude de sua força física, seus ataques violentos mostram-se desagradáveis e dolorosos para os demais. Geralmente o agressor prefere atacar os mais frágeis, pois tem certeza de dominá-los, porém não teme brigar com outros alunos da classe: sente-se forte e confiante.
Quanto aos demais alunos, acabam se tornando testemunhas, vítimas e co-agressores dessa cruel dinâmica. Se não participarem do bullying, podem ser as próximas vítimas. Não denunciam e se acostumam com essa prática violenta, podendo até encará-la como normal dentro do ambiente escolar (e um dia até no ambiente de trabalho). O bullying acaba criando um ciclo vicioso, arrastando os envolvidos cada vez mais para o seu centro.
Para romper aos poucos com o ciclo vicioso, cada parte deve examinar sua própria contribuição involuntária para o padrão e fazer algo diferente que tenha mais chances de reduzir o problema exteriorizado. É necessário que abandonem essa postura de culpar uma à outra e caminhem em direção a uma compreensão mais profunda do problema que há entre elas.
Lecionam Fante e Pedra que os espectadores representam a maioria dos alunos de uma escola. Eles não sofrem e nem praticam bullying, mas sofrem as suas conseqüências, por presenciarem constantemente as situações de constrangimento vivenciadas pelas vítimas. Muitos espectadores repudiam as ações dos agressores, mas nada fazem para intervir. Outros as apóiam e incentivam dando risadas, consentindo com agressões. Outros fingem se divertir com o sofrimento das vítimas, como estratégia de defesa. Esse comportamento é adotado como forma de proteção, pois temem tornar-se as próximas vítimas.
O sofrimento emocional e moral (até físico eventualmente) da vítima são patentes. É comum que a vítima mantenha a lei do silêncio, pois, na maioria das vezes, as agressões são apenas morais e não deixam vestígios.
Compreender a dinâmica desse fenômeno é importante para controlá-lo. Será que o conselheiro tutelar, assistente social, membro do Ministério Público ou Poder Judiciário saberá lidar de forma efetiva e adequada com essa situação? Estamos preparados para dar uma resposta efetiva para reduzir o bullying? Sem procurar entender as origens do problema e seu funcionamento a resposta dos agentes do Estado poder mais agravar do que resolver a situação. O motivo: imposições externas tendem a não ser seguidas a médio e longo prazo pelos jovens e adolescentes (nem com adultos) quando não partem de um consenso com o grupo envolvido.

6. Bullying e gangues: algumas semelhanças.

O fenômeno bullying estimula a delinqüência e induz a outras formas de violência explícita, produzindo, em larga escala, cidadãos estressados, deprimidos, com baixa auto-estima, capacidade de auto-aceitação e resistência á frustração, reduzida capacidade de auto-afirmação e de auto-expressão, além de propiciar o desenvolvimento de sintomatologias de estresse, de doenças psicossomáticas, de transtornos mentais e de psicopatologias graves. Tem, como agravante, interferência drástica no processo de aprendizagem e de socialização, que estende suas conseqüências para o resto da vida podendo chegar a um desfecho trágico. Em situações de ataques mais violentos, contínuos e que causem graves danos emocionais, a vítima pode até cometer suicídio ou praticar atos de extrema violência.
Registro a grande similaridade do funcionamento do bullying e o das gangues como forma de perpetuação do grupo. Há um movimento forçando de fora para o centro todos os agentes (provocadores, expectadores e vítimas) de que forma que o bullying e as gangues sempre se perpetuem. A “norma interna” é não se envolver, não interromper o movimento (sob pena de se tornar uma vítima) e nunca denunciar os agressores.
Pais e professores têm, então, no grupo de colegas da mesma idade rivais muito fortes, que podem influenciar emocionalmente seus filhos e alunos muito mais do que eles mesmos conseguiriam fazer e com os quais, de todo modo, é preciso aprender a colaborar.
Se frustrações, insultos ou modelos agressivos aumentam as tendências de pessoas isoladas, então esses fatores têm probabilidade de inspirar as mesmas reações em grupos. Ao começar um tumulto, os atos agressivos, por exemplo, muitas vezes espalham-se rapidamente após o início de um processo agressivo de uma pessoa antagônica. Ao verem saqueadores pegando livremente aparelhos de tevê, espectadores normais, que respeitam as leis, podem abandonar sua inibição moral e imitá-los. Os jovens, muitas vezes, se envolvem em atos de violência e/ou contrários á lei por influência de grupos de amigos, situações que dificilmente ocorreria, se o jovem fosse atuar de forma isolada. A influência de grupos traz pesadas conseqüências em alguns casos.
Se para o jovem adulto envolvido com gangues é difícil romper esse ciclo vicioso, mesmo tendo pouca participação, o que se esperar de pequenas crianças dentro de uma sala ou escola? Elas, mais do que os adultos, tendem a não querer atritos (esquiva) com os colegas do grupo.
Não só as vítimas do bullying querem o seu fim. Os expectadores, em grande número dos casos, não concordam com o andamento do bullying (ou dos rumos da gangue), mas, por medo de se tornarem alvos, passam a agir de forma omissa e não se intrometem nos rumos do pensamento decidido pelo grupo (que ao final são poucos que dominam um grande número de pessoas).

7. Considerações finais

A Criminologia busca a prevenção dos crimes. Ele estuda os fenômenos que aumentam a probabilidade do surgimento dos crimes. O estudo do bullying se faz necessário, nesse contexto, para romper com um modelo de resolução de conflitos que cultua a exploração dos mais fracos ou os diferentes e que tem como motor a intolerância com o próximo.
É preciso buscar um diagnóstico do bullying naquela realidade escolar local. O esclarecimento pode, em muitos casos, poder facilitar o controle dessas situações. Para que isso possa ser conseguido é necessário que haja um diálogo franco entre os envolvidos. Isso evitará que os envolvidos tenham uma mensagem da sociedade que os problemas devem ser resolvidos com violência ou com a anulação moral dos mais fracos.
Há ainda o problema da formação de grupos até gangues pela ação do agressor, que podem futuramente partir para a prática de atos de delinqüência. A atuação preventiva nesses casos é a melhor saída. Devemos coibir essas práticas e propagar, em vez da violência, a tolerância e a solidariedade. Agindo assim contribuiremos para reduzir a prática futura de crimes violentos decorrentes das situações de bullying, porquanto esses comportamentos são observados, aprendidos, internalizados e podem ser reproduzidos na vida futura cotidiana pelos envolvidos em práticas de bullying, gerando conflitos graves para outras pessoas.
Há necessidade de se dialogar com a direção da escola a capacitação dos funcionários e professores para lidar com o tema e buscar o máximo possível manter um diálogo aberto e franco com as crianças e adolescentes envolvidos, com o intuito de se procurar uma solução que seja aceita pelo grupo e que seja internalizada e duradoura para aquele ambiente escolar.
O profissional do Direito (juiz de direito, promotor de justiça, advogado ou delegado de polícia), ao se deparar com um problema de bullying, deve ter estar aberto a todas alternativas possíveis que possam ser colocadas para a solução do problema. Não é o princípio de autoridade por si só, que poderá acabar com essas ocorrências num determinado ambiente escolar. Mente aberta para todas as possibilidades de solução do conflito e interação com os alunos do meio escolar. Sem a participação efetiva dos estudantes na reconstrução da situação problemática a resposta imposta pode ser temporária e não resolver o problema das vítimas. Uma resposta imposta do meio externo tende a não ser aceita pelos estudantes em médio prazo.

8. Referências bibliográficas.

ABRAPIA – Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção á Infância e á Adolescência. Disponível na Internet: http://www.bullying.com.br/BConceituacao21.htm#OqueE
BEAUDOIN, Marie-Nathalie; TAYLOR, Maureen. Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola. Tradução de Sandra Regina Netz. Porto Alegre, Artmed, 2006.
CALHAU, Lélio Braga. Resumo de Criminologia, 3ª ed., Rio de Janeiro, Impetus, 2008.
CALHAU, _________. Criminalidade, infância e a Psicologia. Jornal Hoje em Dia, Belo Horizonte, Minas Gerais, 01.12.06, página 02. Também disponível no site www.novacriminologia.com.br
CLONINGER, Susan C. Teorias da personalidade. Tradução de Cláudia Berliner. São Paulo, Martins Fontes, 1999.
COSTANTINI, Alessandro. Bullying: como combatê-lo? Tradução de Eugênio Vinci de Moraes. São Paulo, 2004, Itália Nova.
FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência nas escolas e educar para a paz. Campinas, Verus, 2005.
FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas e respostas. Porto Alegre, Artmed, 2008.
FRIEDMAN, Howard S; SCHUSTACK, Miriam W. Teorias da personalidade: da teoria clássica à pesquisa moderna. 2ª ed., Tradução de Beth Honorato. São Paulo, Pearson/Prentice Hall, 2004.
HALL, Calvin S; LINDZEY, Gardner; CAMPBELL, John B. Teorias da personalidade. 4a ed. Tradução de Maria Adriana Veríssimo Veronese. Porto Alegre, Artmed, 2000.
MYERS, David G. Psicologia social, 6ª ed. Tradução de A.B.Pinheiro de Lemos. Rio de Janeiro, LTC, 2000.
PEDRA, José Augusto em prefácio da obra constante na nota 03 de Cleo Fante (2005), p. 9-10.