terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Juristas criticam atuação da mídia no processo penal

Reunidos em São Paulo, no XXIV Congresso de Direito Constitucional, Fernando Ximenes Rocha, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Antônio Carlos Mathias Coltro e Alberto Toron criticaram a pressão da mídia por penas mais rigorosas.
Anaí Rodrigues
"A liberdade de expressão não pode servir como forma de afronta à dignidade humana". A frase, de Fernando Ximenes Rocha, desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) e presidente do Tribunal Regional Eleitoral daquele Estado (TRE-CE), foi dita durante o XXIV Congresso de Direito Constitucional, realizado entre os dias 12 e 14 de maio, em São Paulo, e diz respeito à atuação da mídia em relação aos processos penais.

Em palestra sobre o Direito e o processo penal na perspectiva da dignidade da pessoa humana, que reuniu também Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Antônio Carlos Mathias Coltro e Alberto Toron, o desembargador lembrou que tanto a dignidade como a liberdade de expressão são princípios constitucionais e ressaltou a necessidade de que esse não se sobreponha àquele, afirmando que "a liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade e não pode servir como forma de afronta à dignidade humana".

O desembargador pautou toda sua exposição na influência que a mídia exerce no processo penal e a conseqüência disso para a dignidade das pessoas. Ele afirma que, por pressão da mídia, é comum o atropelo de princípios processuais, como o devido processo legal e a presunção de inocência.

Rocha lembra que tem sido comum os meios de comunicação, muitas vezes com ajuda do Ministério Público (MP) e dos próprios juízes, condenarem por antecipação os indivíduos suspeitos de algum crime, inclusive invadindo sua privacidade. Ele observa que nem sempre a pior sanção é a pena imposta pela Justiça mas sim a repercussão social provocada por essa exposição. "Isso prejudica a própria ressociabilização do sujeito", completa o desembargador.

Por essa razão, o Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, advogado criminalista e presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, defendeu a chamada Lei da Mordaça (PL 65/99), que proíbe que os promotores de Justiça, delegados de polícia, procuradores, juízes e conselheiros dos tribunais de contas divulguem fatos de que tenham ciência em razão do cargo e que possam, hipoteticamente, vir a violar a vida privada, a honra e a imagem de seus investigados ou denunciados. Para ele, essa lei "não tem nada de mordaça". Oliveira sustenta sua posição dizendo que o Brasil é o único lugar no qual todo o processo ocorre publicamente e defende que o resguardo de determinadas informações durante o processo é importante para garantir que não haja uma "condenação do cidadão antes que ele tenha sido efetivamente julgado".

O desembargador Fernando Ximenes Rocha aponta para a necessidade da defesa intransigente da liberdade de imprensa, concordando com a frase que diz que "melhor um jornal sem governo do que um governo sem jornal", mas insiste que ela não pode prejudicar o bom andamento da investigação. Para ele, que acredita que ninguém perde direito à dignidade por ter cometido um delito, o abuso da liberdade de imprensa prejudica a justiça e a liberdade.


Sede por justiça"A mídia vem atacando muito o Judiciário, o Ministério Público e a polícia", diz Antônio Carlos Mathias Coltro, juiz do Tribunal de Alçada Criminal (Tacrim) de São Paulo e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Para ele, isso impede que os juízes tomem as medidas efetivas no sentido de resolver o problema da criminalidade, já que essas (que não são as estritamente punitivas) poderiam ser consideradas soluções muito brandas pela mídia, que reflete uma sede de vingança que existe na sociedade. Para o juiz, isso só atrapalha a consecução da justiça.
Durante sua exposição, Mariz de Oliveira criticou também a atuação do Ministério Público no âmbito do Direito Penal. Ele considera que "existe uma corrente dentro do MP que entende que o papel do promotor não é de persecutor da justiça, mas sim de acusador aleatório". O advogado atribui, em grande parte, essa posição ao embalo criado pela mídia e afirma que isso pode gerar dois efeitos: ou juiz se rende às pressões da imprensa, não necessariamente atendendo às previsões legais; ou ele se mantém firme e passa a ser alvo de críticas da sociedade, que não se sente satisfeita com as soluções adotadas pelos magistrados. "Isso faz muito mal à distribuição da justiça", diz.

Mariz de Oliveira acredita que, dessa maneira, o Direito Penal, o sistema penitenciário, o Ministério Público e a imprensa estão cometendo um grave atentado à dignidade humana dos brasileiros, especialmente daqueles envolvidos em uma acusação criminal.
Como exemplo dessa violação aos direitos dos cidadãos, Coltro cita o direito ao silêncio, garantido pela Constituição e acolhido pelo Código de Processo Penal (CPP). Ele explica que, apesar dessa previsão e do fato de haver diversos motivos, que não somente a existência de culpa, pelos quais as pessoas podem não querer falar sobre determinado assunto, "no Direito brasileiro têm-se a idéia de que todo inocente quer falar de pronto, para provar sua inocência e, portanto, uma pessoa não pode se calar sem que isso tenha alguma conseqüência para ela".
Coltro reconhece ainda a importância dos artigos 5º e 6º da Constituição Federal de 1988, mas lamenta que a jurisprudência ainda não tenha chegado a uma conclusão quanto a esses dispositivos. Segundo ele, "embora haja tanta clareza quanto à redação dos dispositivos, ainda não atingimos plena aceitação do que está nos artigos".

Alberto Toron, advogado criminalista e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), concorda com ele, dizendo que vivemos em um momento de paradoxo, no qual se observam tantos direitos estabelecidos pela Constituição e ao mesmo tempo tanto desrespeito aos direitos previstos. Ele ressalta, no entanto, o importante papel do juiz que é o de garantir o respeito aos direitos previstos na Constituição.
Política criminal
O problema da influência da mídia não contamina somente o Judiciário e sim se alastra por todas as esferas de poder. O advogado criminalista Antônio Cláudio Mariz de Oliveira diz que "no Brasil, permite-se todas as afrontas à dignidade humana em nome do combate ao crime", o que, para ele, é uma distorção já que o Direito Penal não é método de combate ao crime.

O presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária aponta como um problema o fato de os legisladores só lidarem com o crime já cometido e não procurarem evitá-lo. "O fato das políticas criminais e das leis serem definidas em momentos de alta criminalidade, geralmente por forte pressão popular - diante de uma população amedrontada e, muitas vezes, furiosa - faz com que os legisladores legislem como se fossem resolver o problema, de forma esquizofrênica. É a lei do terror", critica.

O criminalista diz que isso faz com que, por exemplo, "de 1990 para cá, o número de casas de detenção do sistema penitenciário tenham passado de 15 para 128, só em São Paulo". "Isso sem contar as delegacias de polícias que hoje abrigam cerca de 30 mil presos", conta.

Para ele, para superar a criminalidade é imprescindível que ela seja vista como um problema de toda sociedade. "Se os juristas não tiverem coragem de combater a criminalidade na origem - com o que vão ser tachados de cúmplices dos criminosos (afinal, a sociedade quer punição) -, nada vai acontecer no sentido de diminuir a criminalidade", destaca.

Penas alternativas
Uma proposta para esse combate racional da criminalidade é indicada pelo juiz do Tacrim Mathias Coltro. Ele observa que no "Brasil não se implementou ainda o sistema de penas, ou melhor, soluções alternativas" e que há muita resistência - tanto por parte da sociedade quanto da mídia em geral - a sua adoção. Para o juiz, isso é um grande atraso já que não há um país no mundo em que se tenha aplicado essa soluções e os resultados não tenham sido muito mais positivos do que nos locais que aplicam penas rigorosas.

Ele cita o exemplo de uma região no Amazonas que adotou as penas alternativas e na qual os condenados, obrigados a prestar serviços comunitários, quiseram continuar com o trabalho após o término da pena. "Esse é justamente o tipo de ressociabilização que devemos buscar com a política criminal", afirma Coltro, para quem "o sistema penitenciário que temos hoje está falido".

http://sassoesasso.adv.br/noticia24.php

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